Roberto trabalhou 37 anos na Petrobras, fez curso no Teatro de Arena, trabalhou na TV Tupi, na inauguração da TV Record, no TBC. Montou um grupo de teatro para lazer e começou as apresentações no Panelinha de Santo André, onde apresentou, com o grupo do clube, várias peças. |
|
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 11 de julho de 2003.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores:Vilma Lemos e Daniela Macedo da Silva.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta:
Sr. Roberto, local de nascimento.
Resposta:
São Paulo, capital, em 19/04/1936.
Pergunta:
Família?
Resposta:
Minha família é a família Caielli, de imigrantes Italianos, meu avô, uma figura que eu sempre idolatrei, pioneiro. Então, esse pioneirismo em termos de Brasil, eu já herdei de meu avô, meu avô fabricante de passamanaria. Sabe o que é passamanaria? Cordas, cordões, franjas e todos os adereços que você usa em decoração, que você usa, usava antigamente em roupas, guarda-chuva, usava passamanaria e por aí vai, e um campo muito extenso. E fabricantes de cortina também usavam passamanaria bastante, cordões, franjas e tudo mais. Aquelas franjas das cortinas do Teatro Municipal foram feitos na fábrica. Essa fábrica, as do teatro de Manaus, até hoje são as franjas que foram feitas na fábrica do meu avô. Essa fábrica foi pioneira na América Latina, a primeira fábrica de passamanaria da América Latina. Hoje ela teria, se existisse ainda, como foi criada há mais de 100 anos. Ele realmente foi pioneiro. Ele começou na Água Branca criando o bicho da seda que é a matéria-prima para fazer os fios de seda. Eles tiravam o fio da seda e tinha uma criação porque o Brasil não tinha ainda produção de seda, então eles criavam o bicho da seda tiravam os fios da seda para fazer cordões, franjas e tal. Essa á a minha família e a minha herança, com muito orgulho.
Pergunta:
Qual foi à influência do seu avô na sua formação?
Resposta:
Muito Grande. Ele era um trabalhador pioneiro. Todo pioneiro é trabalhador, principalmente numa terra que não tinha recursos, não tinha nada. Então, ele fez tudo, desde criar o bicho da seda. Então, esse espírito empreendedor e organizador, eu herdo do primeiro ao último. Sou administrador de empresas, minha carreira toda me dediquei à organização, sistemas e métodos e paralelo a isso a parte artística que era o meu hobby.
Pergunta:
E seus pais?
Resposta:
Meu pai sempre trabalhou na fábrica com meu avô, uma pessoa maravilhosa. Ele, de uma certa forma foi sempre uma pessoa frustrada, porque a grande paixão dele era a cultura, aliás ele foi um grande pintor. Ele não ficou, não tem quadros em exposição, mas se eu mostrar os quadros dele, todo mundo adora. É muito bonito. E tinha de trabalhar na fábrica, porque o pai era o dono da fábrica e os filhos tinham de estar lá. Um cuidava do escritório, outro da produção e todos os filhos na fábrica. O que ele gostava mesmo era de pintura, de arte, desse ramo.
Pergunta:
O senhor trabalhou nessa fábrica?
Resposta:
Muito pouco, porque por contingência eles acabaram tendo sócios na fábrica, sócios esses que eram funcionários e subiram à categoria de sócios. E eles não viam com bons olhos um filho, um Caielli, um neto do Caielli, se introduzindo lá, porque eles achavam que ele ia querer tomar conta, pôr eles para fora. A mentalidade deles era essa. Então, mesmo estudando, quando estudei eletrotécnica e depois estudei administração, eles impediam. Eu ia muito na fábrica, pois o meu avô trabalhava de sábado e domingo. Domingo de manhã você ia à fábrica e ele estava lá puxando sutache na maquininha e tudo mais e eu gostava e ficava embevecido de ver o que ele fazia.
Pergunta:
Era uma fábrica de grande porte?
Resposta:
Na época era. Chegaram a ter mais de cem funcionários. Ela começou na Água Branca, mas lá era mais a parte de criação do bicho da seda e começou a fábrica bem pequenininha, em frente à Matarazzo. Hoje existe ainda, mas acho que demoliram a fábrica da Matarazzo na Água Branca, perto do Antártica. Depois eles foram para a Santa Eulália, que é no centro de São Paulo, perto da Estação da Luz e depois para Santana, no Carandiru, onde ficaram até a data que encerram as atividades. Quando meu pai faleceu, eu tirei umas férias, estava trabalhando na Petrobrás, como trabalhei a minha vida inteira, e tirei umas férias, como meu pai tinha falecido, para liquidar os assuntos da fábrica. Foi a melhor forma que a gente viu. Depois eu montei uma fábrica minha, pequenina. Comecei do zero, zero mesmo, e fui tocando e minha mulher ajudando, porque eu voltei para a Petrobrás e a gente foi tocando. Começamos aqui em São Bernardo, depois fomos para o interior e hoje a fábrica ainda existe e funciona. Somos representantes da fábrica. Eu trabalho até hoje, agora bem irrigado, mas como representante, porque a gente conhece o ramo, conhece os clientes, então a gente continua até hoje, graças a Deus, para não ficar parado.
Pergunta:
Onde é essa fábrica?
Resposta:
Hoje essa fábrica é no interior, perto de Americana.
Pergunta:
O senhor mora onde hoje?
Resposta:
Em São Bernardo, moro em São Bernardo há trinta e dois, trinta e três anos.
Pergunta:
O senhor lembra a data?
Resposta:
Negócio de data não é o meu forte.
Pergunta:
Que mudanças o senhor viu na configuração dessa cidade, já que o senhor mora há tantos anos?
Resposta:
Em São Bernardo, a principal mudança que eu vi, foi de que quando eu cheguei em São Bernardo era uma delícia. A gente conhecia o Senhor Antonio da farmácia, o seu José da Padaria. Ah! Era uma delícia. Hoje eu não tenho dinheiro. Ah! Pelo amor de Deus, faz o favor, não estou cobrando. Era assim. Hoje não é mais. É uma cidade bem violenta. Infelizmente, nós já vimos a violência perto da gente. Meu filho foi assaltado, ele estava em uma festa lá no nosso bairro e foi assaltado. Ele estava na festa de aniversario de um deles e os ladrões invadiram, tiraram levaram relógio dele, mas felizmente foi suave perto do que acontece hoje. Recentemente, esta semana eu passei um momento muito tenso. Um grande amigo meu que mora em Santo André, o Terra, foi seqüestrado. Sumiu na quarta-feira, a mulher dele telefonou para uma amiga nossa e disse que o Terra sumiu. Felizmente no fim da tarde o acharam, ele estava só de calça, sem sapato, sem camisa, mas felizmente vivo.
Pergunta:
O que o senhor lembra da infância? Brincadeiras, relacionamento familiar?
Resposta:
O que eu fazia sempre na infância? Eu sempre morei no Jardim Paulista. Minha vida inteira, na Alameda Campinas, perto da Avenida Estados Unidos, vocês já devem ter ouvido falar. A vida inteira ali. Uma época nós moramos em Santana, mas foi muito pouco, perto da fábrica, muito pouco. Nós moramos no Jardim Paulista. No Jardim Paulista era uma delícia. Nós tínhamos um clube que marcou a minha infância, nós tínhamos um clube e eu dirigia esse clube, sempre no comando, sempre procurando organizar as coisas. Minha vida sempre assim, e nesse clube nós fazíamos corrida de pedestrianismo em volta do bairro, íamos à Gazeta Esportiva, éramos entrevistados. Lá era uma honra e tenho no meu álbum de fotografia uma foto nossa dando entrevista na Gazeta Esportiva. Éramos moleques e eles diziam: Mas vocês são petulantes. Mas a gente tinha bravura, né. E o outro lado era ir ao Pinheiros. Eu fui sócio do Pinheiros desde que eu me conheço por gente, e eu devo ao Pinheiros e ao Mackenzie que foi a escola que eu freqüentei a vida toda, a minha educação. Ao Mackenzie, porque é a educação efetivamente e ao Pinheiros porque foi o lazer, foi um congraçamento, a amizade, os amigos. Eu ia para o Pinheiros sempre que podia, lá inclusive é que eu comecei a fazer teatro.
Pergunta:
E na juventude? Vamos falar de teatro então?
Resposta:
Na juventude, uma vez saiu lá no jornalzinho do Pinheiros que eles estavam fazendo um concurso para o teatro amador, para o grupo de teatro amador Pinheiros. Eles já tinham encerrado uma peça e estavam querendo mais gente. Meu irmão disse: Puxa, eu estou com vontade de ir lá fazer um teste. O que você acha? Eu não acho nada porque eu não vou e se você quiser ir, você vai. Não, porque não sei o quê. Você vai só para me acompanhar etc. Se for só para eu te acompanhar... Eu fui então na sede do Pinheiros que era na Dom José de Barros, lá no centro da cidade de São Paulo, eles começaram a fazer os testes e eu lá no canto, lá no fundo pedindo para que ninguém nem me visse. A certa altura do teste, o diretor que era o Valdir Reis veio lá e falou: Você não quer fazer um teste? Eu disse que não, de jeito nenhum, o senhor está brincando comigo, tá louco, enfrentar assim o público, mas de jeito nenhum. Então insistiram. Para encurtar, eu acabei fazendo o teste. Agora pode me perguntar: Você ficou ou o seu irmão ficou? Quem foi lá para fazer o teste? Não, nunca fez. Eu ali comecei a minha vida de teatro, e foi mais ou menos grande. Então entrei para o grupo do Pinheiros e esse Valdir Reis, essa pessoa que fez o teste, era autor das pecas que a gente encenou, que eram peças curtas, comédias curtas, de um ato. E o Pinheiros nessa época lá embaixo não tinha salão de festas que comportasse um teatro, então nós começamos a fazer essas peças num circo, que eles tinham armado e fizemos Esse amor entre sinônimos, do Valdir Reis. O amor entre sinônimos nós fizemos o que mais dele. Só. Ele acabou saindo e nós fizemos a Arte Cênica Alfazema. Ele começou a ensaiar a gente, mas depois abandonou e o outro rapaz que estava de assistente ensaiou a peça. Foi um sucesso, uma peça já de três atos, uma montagem bonita. Fizemos no João Caetano e depois repetimos em outro teatro de São Paulo, depois fizemos o Padre dos dez negrinhos, da Agatha Christi e também foi muito boa. Fiz um papel bonito, finalmente a última peça como amador Fora da Barca, Suton Em, já como a direção do Evaristo Ribeiro, diretor renomado na época. Ele fez algumas outras coisas, mas eu já não fazia mais, saí do grupo do Pinheiros, eu e alguns outros elementos fomos fazer um curso no Teatro de Arena. O Teatro de Arena e a Federação de Paulista de Teatro Amador patrocinaram um curso de teatro nos moldes dos cursos que ele estava falando do IAD e fizemos esse curso de Arena, que foi uma coisa muito importante e vou citar aqui algumas coisas. Tinha uma cadeira de interpretação, de direção, dramaturgia e cenografia. A duração foi de 26 semanas. Os professos de interpretação, por exemplo, eram Sadi Cabral, de história do teatro; Sábato Magaldi, de dramaturgia; Décio de Almeida Prado, quer dizer, os expoentes da época do teatro, e considero expoentes até hoje; de cenografia o Mauro Franquine; e o Túlio Costa, expressão corporal; e importação a Maria Thereza, que também era professora. Aliás, essa turma quase toda era professora que dava aula para a gente no curso de Arena e também na IAD. Participava desse curso, para vocês terem uma idéia, Sirlei Siqueira tinha sido o meu colega lá no Pinheiros, nós fomos juntos fazer um curso, Araci Balabarian, que começou nesse curso. Vocês a conhecem. A Dirce Migliatio, que é a irmã do Flavio Migliatio, o Flávio já trabalhava na Arena nessa época, a Vera Gertel, e o Fúlvio Stefanini, inclusive depois foi meu companheiro na primeira peça profissional que eu fiz. Não foi na mesma peça porque nós... Bom, aqui encerrou a minha carreira, vamos dizer, de amador, eu fui para o teatro profissional, fazer exatamente com o Fúlvio, só que ele participou de uma outra, eram duas pecas de um ato. Uma Do tamanho de um defunto que foi a que eu trabalhei e a dele que era Um mar de rosa, alguma coisa assim não me lembro agora. Em seguida eu fui para o TBC, TBC de Cacilda Becker de Cleide Iacones, de Ziembinski, e eu fiz, Senhoria dirigida pelo diretor da IAD, Alfredo Mesquita. Então ele pegou o pessoal que se sobressaiu da Arena e chamou para essa montagem do TBC. Depois disso eu fui para o Pequeno Teatro de Comédia, que foi uma coisa espetacular, um pessoal espetacular, e nós fizemos A Compadecida que tinha um elenco maravilhoso. Trabalhava o Armando Bogus, Felipe Caroni, Elias Gleiser, que está ainda hoje na Globo, Milton Ribeiro que foi o Cangaceiro. E o Milton Ribeiro foi um marco no cinema brasileiro.
Pergunta:
Como foi fazer teatro nessa época? O senhor se formou na Mackenzie?
Resposta:
Eu me formei em eletrotécnica e fazia teatro.
Pergunta:
Como era fazer teatro nessa época? A censura, as interferências, como rolavam as coisas?
Resposta:
Eu não senti, nessa época, em 1959, quando fizemos A Compadecida, não havia censura ainda, havia aquela censura quadrada. Tinha alguma coisa sobre questões políticas, mas era muito... Quando eu saí, que eu saí no plantão 21 que foi no fim de 1959, nós não tivemos, eu nunca senti muitos problemas de censura, interferência e tudo mais.
Pergunta:
Como era o ambiente do teatro? Como o senhor era visto pelas pessoas?
Resposta:
Como pessoa na rua? Era divertidíssimo, era uma coisa... O pessoal hoje em dia faz assim um charme, sei lá, esse negócio de andar de óculos escuros, deixa eu me esconder para ninguém me ver, é balela, sinceramente é balela. Ele adora quando as pessoas o reconhecem na rua. Sobre fatos, vou citar um, voltando um pouco para trás. Sobre fatos importantes, no Pinheiros... Você vê que na minha vida sempre tem o Pinheiros e o Mackenzie. No Pinheiros, nós ensaiávamos a quadrilha, a quadrilha do Pinheiros era uma das coisas mais famosas que existia naquela época porque a festa junina lá era muito boa e a quadrilha do Pinheiros era uma coisa renomada. O que aconteceu em 1954? Quatrocentos anos da cidade de São Paulo, época da comemoração no meio do ano. Vocês ouviram falar em 450 anos agora, então vocês estão vendo que nessa época lá no meio do ano... O que aconteceu? Nós fizemos a quadrilha no Parque do Ibirapuera, foi montado um palanque, um praticável enorme e nós fizemos a quadrilha, televisionada, no Parque do Ibirapuera. E quem foi? A quadrilha do Pinheiros. Foi a quadrilha, foi um sucesso, foi maravilhoso. Uns dois ou três dias depois eu estou passando pela Av. Brasil, ali perto do deixa que eu te empurro, aquele monumento, tinha um guarda lá cuidando do trânsito, de repente ele parou: O coroinha! Eu fiz o papel do coroinha de um casamento caipira. Ele parou, o transito parou, na Av. Brasil e o coroinha... Vocês acham que eu iria achar ruim? Tem aquele pessoal que faz panca, que não quer ser reconhecido. A gente era reconhecido na rua, no Viaduto do Chá, muitas vezes fui parado. Eu participava de televisão, cheguei a participar de televisão como fazendo teatro a gente participava da TV Tupi principalmente, que era também a grande da época e tinha o teatro das segundas-feiras e era só pessoal de teatro que participava. Ziembinski tinha um programa, ele me chamava e participei aqui em São Paulo. Montávamos a mesma peça para televisões de outros Estados, como por exemplo em Belo Horizonte, fomos montar essa mesma peça Chapéu cheio de chuva, em Belo Horizonte, então era muito gostoso.
Pergunta:
Socialmente, havia preconceito em relação ao ator?
Resposta:
Eu tinha umas tias que torciam o nariz, e a minha mãe era muito rígida e tudo, mas ela era muito positiva, era rígida mas positiva. Ele está fazendo, ele gosta e acabou. Mas que houve comentários, houve. Eu não sei, mas tinha muita gente que torcia o nariz.
Pergunta:
E os companheiros de faculdade, como viam?
Resposta:
Não, nunca vi o pessoal. Na época na maior parte do tempo era no Mackenzie e depois faculdade eu fiz administração de empresas e já não era no Mackenzie, porque ele não tinha administração, na época; e eu não fazia lá. O pessoal gostava, elogiava até, na Petrobrás também de vez em quando assistiam alguma coisa. Falavam: Puxa! Assisti àquela peça na televisão, estava ótima e não sei o quê. Nunca fui pichado, foi uma coisa que me veio na cabeça agora de alguém vir e dizer: Você fez uma porcaria, em tal em tal oportunidade. Eu não me lembro disso, graças a Deus.
Pergunta:
O teatro, ao mesmo tempo em que era uma opção de trabalho, era uma diversão?
Resposta:
Era uma diversão. Era uma opção de trabalho nessa época, a época que eu parei, nós fizemos o Plantão 21, uma das peças mais premiadas acho que até hoje. Inclusive tem um trecho de um comentário de jornal, que diz: Poucas vezes assistimos em São Paulo a um espetáculo tão bem representado e realizado como o Plantão 21. Comentário de Mário Júlio Silva, no Jornal Shopping News. Nessa peça trabalhou Jardel, Laura Cardoso, Elias Gleiser, Emanuel Corinal, era direção de Antunes Filho, o mago da direção do teatro. Para mim o maior diretor até hoje.
Pergunta:
O cinema tinha vez, para a juventude, uma forma de lazer? De fazer ou ir.
Resposta:
Era um programa quase que obrigatório, principalmente para quem gostava de arte. Eu me lembro que desde criança eu juntava dinheiro com o pessoal do bairro para a gente ir ao cinema no domingo. Ia ao cinema e comer um pedaço de pizza. Nós íamos ao Paramount, que não existe mais, que existe como Credicard Hall, na Brigadeiro. Esse cinema que estou falando é o D. Pedro II, que passava seriado, era muito gostoso, passava o Fantasma, Zorro, que está de volta. A gente juntava o dinheiro da mesa para ir ao cinema e depois comia um pedaço de pizza, porque não dava para mais.
Pergunta:
Tinha namoro, casamento?
Resposta:
Namoro no Pinheiros, no Mackenzie, mas era uma coisa leve, pelo menos na minha visão. Eu tinha o seguinte lema de vida: quero primeiro me formar, não só formar em escola, formação escolar, como de personalidade, de vida, para depois assumir um compromisso sério. Algumas oportunidades eu tive, mas sempre joguei muito claro com as meninas, se você quiser alguma coisa mais séria, do que sermos bons amigos, desista, porque meu lema de vida é esse. E realmente foi o que aconteceu. Chegou uma hora, mas já estava formado, já tinha minha carreira, já trabalhava na Petrobrás, tinha uma posição muito boa, e foi assim.
Pergunta:
E saindo da vida artística, foi trabalhar na Petrobrás?
Resposta:
Já trabalhava. Aí que te disse quando você perguntou da opção. Quando eu trabalhei no Plantão 21, que foi a última peça profissional, eu muitas vezes saía do ensaio, pegava um ônibus e ia trabalhar. Trabalhava o dia inteiro, o que não era fácil, não era mole, na Petrobrás, na refinaria, que era bem puxado e chegou uma hora, nós estreamos a peça, a peça começou a fazer uma carreira fantástica, a gente via pelos comentários e tive de optar. Tive de optar, porque levar a vida desse jeito não dá. Ou a vida profissional na refinaria ou a carreira artística. A carreira artística, naquela época, só dava satisfação interior, satisfação monetária era pequena. O que a gente ganhava no teatro, por mês como salário, no Pequeno Teatro de Comédia, que era efetivo, se eu fizesse um programa na televisão numa segunda-feira, eu ganhavam mais do que o salário do mês do teatro. Não era sempre que a gente fazia televisão, porque os outros também tinham direito, com toda justiça. Então tive de optar e optei pela carreira profissional. Vim para a Petrobrás e num acidente conheci a Ivone e aí a coisa começou a ficar séria. Depois de conhecê-la, a gente começou a namorar, já tinha condição de namorar, dentro daquilo que tinha estabelecido, e o pessoal começou a cutucar, que eu fiz teatro, fiz isso e aquilo e por que a gente não faz alguma coisa aqui? O teatro na região era meio incipiente. Tinha o Teatro de Alumínio e só. Nós começamos a fazer umas palestras de teatro e a gente se reunia na casa da mãe dela. Eu fiz uns moldes de um curso de teatro, fui passando todo o meu conhecimento, chamava alguns amigos meus de São Paulo para fazer palestras, dar aulas para eles e começamos a formar um grupo do zero, mas assim nos moldes do que eu também já tinha feito, como um curso, não com intenção de, tínhamos a intenção de levar uma peça, mas não era a obrigação. E acabamos levando, o pessoal fica inquieto. Então, foi assim que nasceu o grupo de teatro amador Panelinha, do Clube Panelinha.
Pergunta:
Fala um pouquinho.
Resposta:
Um pouquinho, mas tem bastante para falar. Do grupo de teatro amador Panelinha, que nasceu na casa da mãe dela, nós começamos e começamos com a mesma peça que eu comecei, O amor entre sinônimos, aí na condição de direção, que aliás, lá atrás, quando trabalhei como ator, sempre gostei demais, mas um dos meus objetivos era dirigir. Fizemos O amor entre sinônimos, que foi uma coqueluche em Santo André, um sucesso; fizemos no Restaurante Balderi. O Panelinha não tinha nem sede naquela época e o único local que a gente teve foi o Restaurante Balderi. Tiraram as mesas, a gente fez um praticável num canto; uma coisa com muita improvisação.
Pergunta:
Onde era?
Resposta:
No centro de Santo André, onde é o Banco do Brasil. É naquela rua que sai em frente ao Banco do Brasil. Era bem no centro de Santo André. O Balderi não existe mais, mas foi um restaurante por muito tempo bem conhecido em Santo André. E ali fizemos essa peça e depois fizemos A ditadora, do Paulo de Magalhães, que é um autor brasileiro de bastante expressão, tem muita coisa escrita por ele e fomos seguindo. Daí fizemos Weekend, que nós também tínhamos feito no Pinheiros, eu não trabalhei, mas foi uma peça que o Pinheiros montou depois que eu saí. Vamos citar pessoas que fizeram parte do Panelinha nessa época, que tem gente que vocês devem conhecer: Rubens Awada, hoje é um dos donos do Hospital Brasil; Ivo Borelli, que na época era cantor e cantava na Orquestra do Sílvio Mazuca e do Osmar Milani, um belíssimo cantor, que fez teatro com a gente, começou com a gente; Lúcia Vezzá, que é irmã da minha esposa, Ivone; Noemi Cardoso Neves; Loiser Sá; Marcelo Cardoso Franco, já falecido; Noreta Vezzá, que esteve ontem aqui; Ariete Silva; Waldir Montanheri;, Euclides Rocco, que parece que ainda faz alguma coisa em termos de teatro; e Jean Cabeleireiro, que quem vive em Santo André conhece. Em seguida, nós fizemos Uma noite de arte, que foi um dos espetáculos que dirigi e me deu muita satisfação, com a Marina Rolim, que é poetisa. Então o sindicato, não era sindicato, Associação dos Economistas de Santo André me convidou para que dirigisse um espetáculo dela e nós montamos um espetáculo. Ela era uma poetisa muito boa e bem renomada no ABC. Nós fizemos uma encenação, um espetáculo de poesia teatralizada, com praticáveis. Nós intitulamos três fases da mulher: mulher, amor e não me lembro como era, mas ficou muito bonita. Em cada uma dessas fases usava uma determinada roupa, bonita, andava nos praticáveis, ela declamava as poesias, mas sempre com movimentação. Foi uma coisa bem diferente e bem inovadora. Depois da Marina, o Panelinha montou o Fora da barra e iniciamos o grupo jovem, que eram os nossos herdeiros, que já estavam ficando grandes, e já começaram a participar. Nós montamos o Pluft, o Fantasminha, uma peça infantil. Foi uma coisa que me deixa arrepiado de lembrar, porque foi uma coisa gostosa. Eu não dirigi, mas comecei a passar o bastão quase que totalmente para quem eu tinha formado. Quem dirigiu foi um dos que tinham trabalhado conosco, que foi o Luís Antônio e o Braga. Eles dirigiram, trabalharam as minhas duas sobrinhas, algumas amigas, o pessoal da mocidade. Foi muito gostoso. Continuamos o teatro e com o Fora da barra foi a primeira vez que nós participamos da eliminatória do Festival de Teatro Amador e nos classificamos em segundo lugar. Depois fizemos Três em lua-de-mel, uma peça muito gostosa que foi inédita no Brasil, porque é uma peça de dois portugueses e ninguém tinha direito autoral, mas nós já tínhamos ouvido e perseguimos até conseguir. É de Francisco Ribeiro e de Augusto Santana, dois portugueses. Era divertida e a gente se lembra e se diverte de lembrar das freiras, porque o festival foi no Colégio São José e as freiras estavam nas primeiras fileiras e elas riam meio contidas. Não podiam espalhar muito, mas foi muito gostoso. Em seguida fizemos O ponto de partida. Voltou o grupo jovem, já mais maduro, já jovem não tão infantil quanto no Pluft, jovem mesmo. E essa peça era sobre os jovens. Essa peça nós fizemos aqui em São Caetano, como participação num festival. Na época o pessoal de São Caetano andava meio de briga com o pessoal de Santo André, e eles armaram um clima totalmente contrário à nossa vinda aqui. Então, nós viemos com a cara e a coragem e para essa peça nós não tínhamos cenários. O cenário. Quem trabalhava, os atores se movimentavam e eles usavam umas caixas e a gente montando o cenário. Uma coisa muito interessante. Tínhamos o grupo de música, que acompanhava a peça o tempo todo, que foi o pessoal do Júlio de Mesquita. Os alunos tinham um conjunto musical e nessa peça eles participaram ativamente. Nós entramos no palco em São Caetano, naquele teatro na Goiás, não lembro o nome dele, sob vaias. Eu já tinha prevenido a mocidade, falado que nós íamos enfrentar um ambiente hostil e o sucesso da nossa realização dependia deles. Se fosse feita de manifestação, de vaias ou qualquer coisa parecida, não deveríamos dar a mínima bola e deveriam procurar traduzir isso como aplausos. Que usassem aquilo como incentivo para irem à frente e melhorarem, e não como uma agressão. Foi um sucesso e eles acabaram aplaudindo.
Pergunta:
Tinha alguma justificativa para essa rivalidade?
Resposta:
Politicamente tinha. O pessoal de São Caetano não estava participando dos festivais. Então, nesse ano a minha cunhada era a presidente da Fianta, Federação Andreense de Teatro Amador, e ela trouxe um pessoal de São Caetano, de direção, mas os subalternos não estavam mentalizados como os diretores, que toparam voltar para a Fianta, tanto que eles sediaram uma eliminatória de festival. O público foi hostil, mas acabou aplaudindo e foi um sucesso, a molecada deu uma satisfação nessa peça. Depois do grupo jovem veio o Chapéu cheio de Chuva, Romanofe e Julieta e, em novembro de 1970, nós participamos de um festival de teatro amador em Pinheiros, patrocionado pela Secretaria de Esportes e Cultura de São Paulo. Nós fomos o único grupo da região convidado a participar. Foi muito interessante participar, mas foi outra daquelas nossas realizações em que nós não tínhamos oportunidade de levar cenário, como em todos os nossos festivais, que a gente tinha de improvisar. A mãe da minha esposa, que sempre acompanhava a gente. Nós não tínhamos nem camarim para nos trocarmos e nessa peça especificamente a gente precisava, não dava para ir para a peça com a roupa do corpo e entrar em cena porque era uma sátira Romanofe e Julieta, uma sátira de Romeu e Julieta traduzida para a Rússia e Estados Unidos, de Peter Espinoffe, do cinema. É muito divertido então é muito figurado e tem de pôr roupas especiais para não dar a conotação de que aqui é real. E minha sogra, para as meninas trocarem de roupa, tinha que ficar com um paninho assim para elas poderem se trocar na coxia que era atrás. Poderia falar mais dessa passagem mas não vou entrar nisso. E depois o Falávamos de Rosas, que foi uma das últimas realizações nossas, em que fomos classificados aqui nas eliminatórias da região e fomos participar em Rio Claro do Festival de Teatro Amador que tem em São Paulo nas semifinais. Faziam parte do Grupo Yvo Rodrigues, Augusto Maciel, que parece que ainda está por aí, Augusto Tratai, Onofre Bonfim Braga, Serafim Vicente.
Pergunta:
Essas últimas peças citadas tiveram algum problema de censura?
Resposta:
Não. Agora eu vou falar comentário final, vou citar o que eu preparei aqui de resumo e não vai ser chato. Em entrevista dada à Folha do ABC, no dia 13/08/l967, nós fizemos os seguintes comentários, para você poder localizar tudo o que acontecia no teatro. Vou tocar um pouquinho de cada coisa:
A moça me perguntou o que você poderia me falar sobre apoio oficial? Eu repetiria aqui a frase que já é muito conhecida: cultura não dá voto. Acredito que todos os grupos amadores da região lutem sozinhos, pois a difusão da cultura nunca constituiu um degrau para a ascensão política. Promessas sempre existiram, fatos desconhecemos. A SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, apesar de não ser uma entidade que possa propiciar apoio financeiro, nunca nos tem negado os seus préstimos para obtenção de textos, quer para estudo quer para encenação. Ela nos facilitou sempre, inclusive aquela Três na lua de mel, como texto inédito, nós, um grupo amador, fomos os primeiros a levar no Brasil. Depois ela foi levada para o profissional, mas nós fomos os primeiros. Por quê? Graças a SBAT, que sempre abriu as portas. Ela só não fazia mais porque não podia mesmo. Problemas dos textos, uma coisa que você me perguntou: os textos inéditos não explorados comercialmente por grupos profissionais nos são negados pelos detentores dos direitos autorais que só acreditam no sucesso da peça quando já levada para o profissional. O teatro amador não aproveita seus atores somente em cena. Nós, por exemplo, somos maquinistas, eletricistas, figurinistas, porteiros, desenhamos e construíamos os nossos cenários e confeccionamos o nosso próprio guarda-roupa e até bolamos os nossos convites, convites e ingressos e programas. A imprensa do ABC até agora pouca cobertura publicitária tem dado aos grupos amadores. Ela tem tudo da Folha do ABCD. Já trabalhamos para vinte espectadores por falta de publicidade, pois as pessoas que poderiam ser o nosso público são as mesmas que lêem o jornal da região. Como o jornal da região não dá, eles não vão. A crítica teatral é produto de nossos amigos, crítica escrita só por jornais e como os jornais quase sempre nos ignoram, ela inexiste; às vezes aparece alguém se tutelando de crítico e destrói antes de construir. A Fianta - Federação Andreense de Teatro Amador, é uma instituição esquecida sem condições para auxiliar qualquer grupo. Mesmo que a boa vontade seja uma constância entre seus diretores, no festival os cenários são montados pelos próprios grupos, sem auxílio nenhum e como nosso espetáculo, por exemplo, dessa época ia ser numa terça-feira, um dia de semana, nos nós apresentamos sem os nossos cenários. Nosso lema é competir e de qualquer forma lá estaremos. Isso eu falei na época.
Nossa história: começamos as atividades do nosso grupo conversando, discutindo, dissecando o teatro, propiciando cursos sobre ética teatral, dicção, impostação de voz, movimentação em cena, e só depois pensamos em nos apresentar ao público, traçamos um plano e conseguimos seguí-lo à risca e começamos com um texto pequeno e bem leve e fomos progressivamente encenando cenas mais difíceis. Isto nos permitiu uma certa flexibilidade e atualmente já podemos produzir para poder agradar ao público e produzir para nos satisfazermos. Ainda não temos condições de produzir um Shakespeare, um Brachet, um Pirandelo, mas haveremos de conseguir se continuarmos a contar com os elementos que desde o início formam nosso grupo. Nós somos, antes de tudo, uma verdadeira família dentro e fora do teatro, nosso relacionamento sempre foi cordial, leal e democrático, e o sentido de equívoco isento de exibições pessoais ou regressivos que nos permitiu prosseguir em busca de melhores produções. Problemas dentro do clube. Essa pergunta e meio capciosa, toda a sociedade enfrenta problemas internos, mas nós sempre encontramos um denominador comum que nos permite achar o termo exato da equação. Opinião: acho ótima idéia do jornal em divulgar um pouco de cada grupo procurando aproximá-los, foi o que essa pessoa estava tentando fazer na época, formando um todo para que haja a popularização do teatro, uma vez que o teatro é uma arte iminentemente social. Isso daqui eu traduzo agora a vocês. Acho muito importante esse trabalho que vocês estão fazendo e tem um valor imenso para quem já fez alguma coisa. Se isso vocês vão guardar como memória, acho muito importante, muito gostoso. É isso!
Pergunta:
Senhor Roberto, em que situação está o teatro?
Resposta:
O nosso grupo sumiu, acabou. Um pouco depois dessa, nós tivemos alguma dificuldade com uma diretoria que veio depois no Panelinha, que não gostava muito de teatro, isso aí somado às nossas vidas particulares, eu com dois filhos, um dos meus filhos, o maiorzinho deles, que já estava com quatro, cinco anos, ele ia assistir aos ensaios. Esqueci de falar da peça que fiz em Santo André, participando dos festejos. Aí voltei a ser ator. A Fianta e a Prefeitura de Santo André estavam realizando, em 1971, eles fizeram essa montagem de A Fronteira del rei. Um diretor profissional que era o Clóvis Marcos e o Jonas Block, que foram os dois que nos dirigiram e eles quiseram montar esse espetáculo. Foi montado e voltei a trabalhar como ator, foi a última vez, foi no Teatro Conchita de Moraes e foi um sucesso muito grande, que deu muita satisfação.
Pergunta:
O senhor trabalhou na Petrobrás?
Resposta:
Hoje eu sou aposentado da Petrobrás, infelizmente. O Collor acelerou a nossa aposentadoria porque eu já tinha tempo de casa, e todos que tinham tempo de casa ele fez quase que uma obrigação de se aposentar compulsoriamente. Eu queria ter trabalhado mais uns cinco anos. Acho que hoje eu estaria aposentado mesmo, inclusive de acordo com os meus planos.
Pergunta:
Como ator, qual foi o papel mais importante que o senhor mais gostou?
Resposta:
Difícil. Essa peça A Fronteira del rei é a história da fundação de Santo André, fiz o João Ramalho e me deu muita satisfação. Em teatro amador, a primeira montagem Arte Cênica e Alfazema que foi um papel muito gostoso, eu fazia um alemão, com sotaque e tudo. Difícil fazer e foi a primeira peça em três atos que participei. Depois O caso dos dez negrinhos, que fiz o coronel Mackenzie, um papel muito bonito. Quase tudo que fiz me deu satisfação. Não fiz nada que tivesse dito que ia fazer porque era profissional. Sempre fiz mais por amor do que tudo.
Pergunta:
Para encerrar, o que o senhor gostaria de deixar registrado para os jovens e futuras gerações?
Resposta:
O que eu gostaria de deixar é esse final que eu falei para vocês. Acho que a gente tem que ir muito à luta, nunca ter medo de careta, nem de ameaças. Apesar do que aconteceu em São Caetano, eu estava no meio do burburinho, mas o burburinho se calou porque eu tive forças. Você tem de ter forças, ser firme e positivo, ser idealista e a gente consegue sucesso em qualquer coisa, em qualquer ramo de atividade. Isso eu consegui tanto no meio artístico como na minha vida profissional. Enfrentei muitas barreiras, na vida profissional e artística. No entanto, quase sempre foi um mar de rosas a vida artística, a não ser as dificuldades de se ter uma vida particular, como trabalhar e ensaiar até meia-noite, uma hora, mas tinha dia de ensaiar até as cinco da manhã e depois você tinha de ir trabalhar. Isso era um sacrifício físico, mas mental não era muito difícil.